quarta-feira, 6 de março de 2013

O Verbo se fez Carne

A Encarnação de Cristo

João 1:1-14

Segunda: Mateus 1:18-25;
Terça: Lucas 1:26-38;
Quarta: Lucas 2:1-20;
Quinta: Filipenses 2:5-11;
Sexta: 1 Timóteo 3:14-16;
Sábado: 1 João 4:1-6;
Domingo: 2 João 1


Deus se fez homem! Essa afirmação é o maior mistério da fé cristã. Por mais que nos esforcemos, não conseguimos compreender plenamente a realidade da encarnação de Cristo. William Temple, arcebispo da Cantuária, disse em uma de suas obras que, “se um homem afirmar que entende a relação da Divindade com a humanidade de Cristo, demonstra simplesmente que não compreende o significado da Encarnação e da Expiação.” Entretanto, mesmo em face dessa dificuldade para o pleno entendimento, não significa que nada possa ser dito a respeito de tal assunto. Isto até porque as coisas espirituais são aceitas pela fé e não pelo nosso entendimento, já que, se mal compreendemos as coisas terrenas, como entenderemos com relação às coisas espirituais na atual condição em que estamos?

O fato é que Deus assumiu a forma humana. Preparou o tempo da encarnação e, na “plenitude dos tempos” (Gálatas 4:4), ou seja, quando as pessoas estavam prontas para receberem o Messias, isso aconteceu.

No século I existiram os gnósticos que procuravam afirmar que a encarnação não existiu (1 João 4:1-3), pois para eles a matéria é essencialmente má e suscetível às enfermidades e, desta forma, Jesus não poderia ter assumido esta natureza. Os próprios espíritos malignos não confessam que o Senhor veio em carne, pois para eles isto é uma grande humilhação, já que Jesus os venceu sendo homem e não Deus. Os apóstolos sempre ensinaram este grande mistério: “o Verbo se fez carne” (João 1:14; Filipenses 2:7,8; Romanos 8:3; 1 Pedro 3:18; 4:1).

A igreja cristã, mais tarde, afirmou a realidade da encarnação. Isto se deu no ano 451, no Concílio da Calcedônia. As naturezas divina e humana estavam unidas na pessoa de Jesus Cristo, embora o Senhor nunca tenha usado da natureza divina enquanto viveu como humano aqui (Filipenses 2:6-8), mesmo tendo sido tentado a isto (Mateus 4:3-6; 27:40). Se de fato Ele cedesse à esta tentação ao usar os poderes de Filho de Deus, jamais poderia nos representar no Calvário, pois para substituir o ser humano somente um outro igual, ou então o sacrifício não seria aceito.

Na encarnação, o Senhor da História entra na história humana, não como uma energia ou um fantasma, mas como um homem real, de carne e osso. Esse fato torna ímpar a religião cristã. Por amor, Deus desce da sua glória e majestade, faz-se carne, assume a condição humana para, de maneira plena, revelar-se aos homens. Por este motivo, o Filho de Deus se tornar humano é loucura para os gregos, que sempre viam em sua religião os homens se tornando deuses e não o contrário. Seus falsos deuses nunca tiveram real compaixão e interesse pelos homens, sendo que, ao ouvirem a Verdade do Evangelho, ficavam impressionados.

Segundo os professores Juan Mateos e Juan Barreto, “o projeto divino realizou-se em uma existência humana, a plenitude da vida brilha em um homem, é visível, acessível, palpável.”

Assim, este estudo tem como objetivo apresentar a razão e o resultado da encarnação de Cristo enfatizando que a encarnação é modelo e desafio para a igreja em missão no mundo.

A partir da realidade da encarnação do Verbo, podemos tecer as seguintes considerações:

1. Morada de Deus entre o seu povo

O Senhor Jesus Cristo afirmou que o Reino de Deus está dentro do coração (Lucas 17:21). Deus está presente no Universo, mas também se faz presente na vida humana. Habita num alto e santo lugar, mas também junto com aquele que se humilha perante a Sua presença (Isaías 57:15). Um dos resultados da encarnação é expresso na frase do apóstolo João: “e habitou entre nós” (João 1:14). A palavra grega traduzida por “habitou” se deriva do substantivo que significa “tenda”. Por isso, algumas versões antigas trazem “tabernaculou”. A intenção é mostrar que a encarnação faz uma referência ao Tabernáculo no deserto, onde o Senhor viera habitar no meio do Seu povo (Ex. 25:8,9; 40:34). Lá, a coluna de fogo era sinal externo da presença real no acampamento de Israel. Aquela presença divina é substituída por esta: a morada de Deus, o local onde Ele habita no meio dos homens. É um homem, uma pessoa, uma “carne”.

Qual a finalidade dessa morada de Deus entre nós? Responder a essa pergunta é mostrar o propósito desta encarnação. O Deus eterno quer estabelecer comunhão com o seu povo, quer morar entre nós, quer ser Emanuel - o Deus conosco (Isaías 7:14; Mateus 1:23). Este sempre foi o propósito do Senhor: desde o Gênesis quando vinha se encontrar com o homem na viração do dia (Gênesis 3:8) até o Apocalipse, quando então estabelece para sempre o seu tabernáculo entre os homens (Apocalipse 21:3). Pela encarnação, Deus demonstrou, em Cristo, o seu propósito de restaurar o ser humano à Sua imagem. Para que isso se tornasse realidade, Cristo “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens” (Filipenses 2:7). Ele fez do homem Sua própria morada.

Analisando o texto de João 1:1-14, o comentarista bíblico Bruno Maggioni chama a atenção para a diferença que há entre os versos 1 e 14, ou melhor, a distância que é superada pela encarnação de Jesus. No versículo 1, afirma-se que o Logos era (existia), numa existência plena e divina. No versículo 14, o Logos torna-se, isto é, assume uma existência história. No versículo 1, Jesus estava junto de Deus; no versículo 14, Jesus está no nosso meio. Ainda no verso 1, Ele existia como Deus; no verso 14, torna-se carne; tudo isso, porque Deus quer habitar entre nós.

2. Encontro entre Deus e o seu povo

A encarnação manifesta o encontro de Deus e os homens. No Antigo Testamento, o Tabernáculo era tanto o lugar da morada de Deus, quanto o lugar de encontro entre Deus e os homens. A encarnação do Verbo é a ponte que possibilita esse encontro. O próprio Jesus, fazendo uma referência ao sonho de Jacó, assume a comparação com a escada, na qual os anjos de Deus subiam e desciam (Gênesis 28:12; João 1:51). Esta verdade se comprova em João 14:6, quando Ele afirma ser esta ponte ente Deus e os homens (veja também 1 Timóteo 2:5). Antes esta escada era apenas para o trânsito de anjos, mas, após a obra redentora, abriu o caminho para o encontro entre Deus e os homens (Hebreus 10:19,20).

Paulo ensina que a vinda de Jesus em carne e osso produz o encontro de Deus com os homens. Diz ele: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo” (2 Coríntios 5:19). Em Jesus, nós encontramos o próprio Deus. É o Deus invisível, tornando-se visível (Colossenses 1:15). Nele, todas as coisas se reconciliam (Colossenses  1:19,20). Em Jesus Cristo Deus se identifica com o homem. O encontro com Deus depende de Jesus Cristo. O conhecimento de Deus depende do Verbo encarnado (Lucas 10:22; João 14:6-11).

3. Desafio de Deus ao seu povo

Como Filho de Deus, Cristo teve uma missão a cumprir: ser o portador de vida aos homens (João 1:4; 10:10). A encarnação é o ponto fundamental dessa missão. Assim como o Verbo recebeu uma missão na Sua vinda ao mundo, também a igreja cristã recebe a mesma responsabilidade (João 20:21). A encarnação envolve toda a ação da igreja no mundo; a ela foi confiada “a palavra da reconciliação” (2 Coríntios 5:19). A encarnação de Cristo é modelo de missões para a igreja. O ato da encarnação fala de um envolvimento missionário: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho...” (João 3:16).

A encarnação também é um desafio de Deus ao seu povo quando trata do próprio engajamento da igreja. Na afirmação de que “o Verbo se fez carne”, vemos um Deus envolvido, que participa na busca do perdido. Ele veio salvar o que se havia perdido (Lucas 19:10). Todo o envolvimento na comunidade cristã precisa se voltar para esta realidade: salvar o perdido, libertar o oprimido. Essa foi a missão do Filho (Lucas 4:16-21). Essa é também a missão da igreja no mundo (João 20:21).

A presença de Jesus na vida da igreja cristã, através do Espírito Santo, é um privilégio que traz uma grande responsabilidade. É o desafio de anunciá-lo aos homens. Mais do que isso, é o desafio de viver Jesus no nosso dia-a-dia. A igreja é a portadora das boas-novas do Reino. Ela tem então a responsabilidade de continuar mostrando aos homens que Deus continua morando entre nós.

O apóstolo Paulo já dizia: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.” (Gálatas 2:20). Eis o grande desafio para a igreja: ser uma comunidade tão envolvida com o evangelho, a ponto de se confundir com o próprio Senhor Jesus Cristo.

Jesus sempre definiu com clareza os desafios que seus discípulos e sua igreja teriam pela frente. Em cada ordem de envio dado aos discípulos, Ele sempre confirmou Sua presença. Em Mateus 28:18-20 Ele prometeu continuar sendo o Emanuel - “Eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos”. Em Atos 1:8 Ele continuaria dando assistência aos discípulos, enviando o Espírito Santo para capacitá-los a enfrentar os desafios do Reino: “sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria até os confins da terra.”

Assim, podemos afirmar que a encarnação do Verbo implica em grandes desafios para a igreja: o desafio missionário, o desafio à prática de um evangelho comprometido com as necessidades ao redor, o desafio quanto à promoção da vida abundante possível em Cristo Jesus.

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